sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Lacuna



Nem sempre o que te falta me completa.
Nem sempre dá para a rua a porta aberta.

Nem sempre a sua busca é o que me caça.
Seu olhar, nem sempre é o que me abraça.

Nem sempre. Nem sempre.
Nem sempre a tua falta me completa.

Nem sempre a minha falta é completa.
Tenho bons motivos para não ser metade.
Para não querer metades.

Há sempre uma palavra
entre meu olhar e o horizonte.
Um oceano.
Talvez eu busque em mim mesma.
O que é seu é sempre insano. Não está em mim.

Nem sempre o que te falta me completa.
Eu não sou o que você procura.
Nada de mim falta em você. @ana ribeiro

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Insana idade




Atrás da minha face esconde o ouro
Meus olhos brilham em meio às carrancas
Estrelas cintilam na inútil resposta
Do provocar desta alma amostra



Querida realidade mundana
Fazes de mim uma prova contrária
Do poder gigante do meu sorriso
Torto, livre, talvez até lindo por isso



O sol insiste em nascer para vocês
O batuque repete todos os mesmos sons
A dança segue e os passos dão em salsa
E o meu coração hoje valsa



Oh vida estranha destes estranhos
Fito e tento em vão compreender
São tantas, e tão iguais são
Santo, santo, perdoai este povo são
@Ana Ribeiro

domingo, 12 de dezembro de 2010

Mudez Parte II

A falsa calma da tarde de domingo invade as cortinas brancas do quarto de antigas paredes.
Balança perigosamente o tecido leve que roça seu ombro com uma delicadeza ameaçadora.
Um arrepio estranho de presságios irracionais percorre a pele clara de seu pescoço.
Esta presa inerte pressente a brisa que entra pela janela assoprando o calor angustiante de masmorra úmida.
A falsa calma da tarde de domingo invade o quarto quase escuro da penumbra que vem de fora.
Ou será de dentro?
Ainda há luz lá fora afinal.
Mas ela não se levanta. A cortina que balança é o movimento. O seu movimento.
Enquanto espera, escreve.
É só o que pode fazer.
@Ana Ribeiro

domingo, 7 de novembro de 2010

Ave louca

Ave louca
não sabia ao certo
o que era certo.

Decerto.

Sabia que não podia não querer  o que não queria.
Que não podia querer o que queria.

Não queria manto
nem teto
nem ovo,
nem ninho.

Não queria o pai,
nem o filho
não queria a mãe,
não queria a filha.
Ela. Ilha.

Queria a asa
e o vento
pouca pena
e movimento.

Queria a largura do espaço,
o vácuo
o salto,
o impacto.

Queria a vida.
A vida sem o tempo.
Queria a vida. Sem o laço do sustento.
Sem o laço que sustenta.

A dor do voo também queria
queria poder
não querer voltar.

Ave louca.
Sem juízo.
Deixas o paraíso?

Para não padecer
eu deixo.
Eu deixo o paraíso.

Ave louca.
Sem maçã, nem Adão.
Teu canto rouco
convida ao voo
para outra direção.
@Ana Ribeiro

sábado, 16 de outubro de 2010

Naturalidade

 
O sabor do exílio amarga as papilas
e a saudade aperta o quanto pode.
Os rostos insistem em aparecer
e os pensamentos não dispersam.

Quanto vale cada dia longe de você?

Vejo meus filhos herdando esta dor
Minhas cicatrizes abertas no tempo
 que passa aqui tão fria e vagarosa
 enquanto a vida lá revigora e voa.

Quanto vale cada dia longe de você?

A dança dos anseios me deixa sem par
A luta, o luto, a ganância e o amor
Fuga incessante do seu entardecer
Meu querido jardim sem a mais bela flor.

Quanta vida cada vale rouba-me de você?
@Ana Ribeiro  

domingo, 26 de setembro de 2010

Provável resposta para uma pergunta de criança

Moro em uma cidade muito pequena. Dessas do interior, onde o avanço científico e tecnológico, por mais rapidamente que se teletransportem não chegaram a destronar velhas e muito peculiares tradições. Os falecimentos são ainda um acontecimento comunitário, assim como os casamentos, os desentendimentos, as paixões e as intrigas. Tudo é anunciado. Se não pela rádio, pelo olhar, pelo cochicho.
Pelos sinos e pelo auto-falante, se sabe das festas, dos velórios, dos achados e perdidos. No centro da praça principal, a igreja dá  os principais avisos: alegres ou fúnebres, com um fundo musical adequado à situação.
Um dia desses, avisaram via Matriz Santuário, mais um óbito. Minha filha pequena, curiosa e, talvez curiosa por demais, perguntou-me sobre o ocorrido. Queria saber o que estava sendo anunciado, de quem se tratava... Respondi como pude, introduzindo-a nesse momento, a mais um ritual da cultura local. Experiência que como outras semelhantes a tornaria, aos poucos, uma típica cidadã do lugar.
Insatisfeita com a resposta, contrariando as teorias da infância que prometem que uma resposta simples é suficiente para a criança satisfazer sua curiosidade imediata, não sendo necessário explicações complicadas e prolongadas, questionou-me com uma seriedade atípica para uma criança de sua idade: Por que não batem o sino pelos nascimentos?
Senti-me ferida de morte. Por que, do alto da minha experiência, e apesar dos longos anos de minha vida inteira, nunca pensei sobre isto? O dominó dos pensamentos associados foi inevitável.  O ritual da vida que termina é realmente algo a que se dá muito destaque. A cidade vive invariavelmente no, mínimo, três dias de luto para cada cidadão que se vai. Fiquei achando que gostamos mais de celebrar aquilo que nos mata. Anunciamos a plenos pulmões a morte, a violência, a corrupção, a miséria, os desatinos. Por que damos tão pouco espaço para a vida, para o sonho, para a arte e a beleza?
E aqui, desse lugar tão pequeno, posso anunciar não pelo sino da matriz, nem pela voz tradicional do locutor responsável, que minha cidade é igual ao resto do mundo: Seja pelo auto-falante da matriz ou pela internet, não cansamos de evidenciar a dor que nos consome, mesmo que haja alegrias nos rondando, sem que nos permitamos percebê-las. Sem mudar de itinerário nas reflexões percorridas até aqui, mas já saindo um pouco da rota, aproveito uma pausa para um pequeno aparte:  Aprendemos a dividir tudo em dois: bem e mal, vida e morte, culpa e prazer. Esquecemo-nos de que tudo é existência ou que a existência é um todo e que as coisas não se separam tão facilmente assim. Tornamo-nos seres duais, partidos, composto por partes opostas que não se  abrangem. E é  assim que vamos vendo o mundo e as pessoas.
Nascer e morrer. Duas pontas do mesmo fio. Duas pontas iguais, que se confundem no mesmo mistério. Enquanto não nos damos conta disso, e sabemos aproveitar com alegria o sabor de cada uma ou de ambas, permitamo-nos,  ao menos, bater mais sinos pela vida.
@Ana Ribeiro

sábado, 25 de setembro de 2010

ATOPIA

Cansado do itinerário tão variável e intenso
o cosmopolita sem rota descansa.
Os pés e a vista não têm chão nem horizonte certo
O lar perdido entre o monte ereto, o deserto reto, a noite sem fim.
O dia começa e lá está ele. Estático e cansado. O movimento sem fim da viagem eterna o persegue entretanto. Onde é seu lugar?
A memória não traz um cheiro peculiar. A infância não tem o quintal sagrado.
O que o habita é o mundo. Sem cercas, nem muros, nem nada.
No entanto, está proibido de entrar,
no mundo que é seu. No mundo do outro.
Cidadão sem pátria,
não entende o véu. Nem a tinta no rosto, nem as mãos postas em prece, nem a tanga ou o terno.
O mal do outro é eterno.
Dentro da casa, ou depois da cerca,
o mal do outro é eterno.
Miseravelmente, o cidadão universal esbarra na sua própria sina.
Sua pátria sem fronteiras não tem chão para um coração que nasceu aqui e viajou.
É preciso não nascer aqui.
Aqui não existe mais. Apenas sua cicatriz, em carne viva,
não o deixa descansar.
@Ana Ribeiro

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Não leia, porque não e3screvii

Enquanto espero, aperto as teclas sem pensar muito. Permito que os dedos corram, escorreguem, se esbarrem na estreita fileira de letras que se espalham  por debaixo da palma da minha mão. A poesia coça. Roça a pele fina das falanges. Não se mostra inteira. O pulso já dormente, solta palavras, que são apenas palavras. Não dizem. Ao menos, não dizem para mim. Queria dizer ao e os dedos teclam ai, repetem letras, pulam outras e, ao não sair, a palavra vira ai. Ai...ai... ai....Que texto besta. A mão não é a cabeça. Ou é? Onde está a palavra? Onde está a palavra que quero? Onde está a palavra que busco? O dedo não acha. As letras sobram onde as palavras faltam. Hoje não deu. O texto não foi. Entretanto, ei-lo aqui. Outro. Mas ei-lo aqui.
@Ana Ribeiro

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Estes Dias - Parte 2


O ego alimenta eu e mastiga
O ego devora eu e instiga
O ego fita
Acirra
Ira
Ora
Dobra
O ego sobra
O ego engole eu e dobra
O ego não sacia e extrapola.
@Ana Ribeiro

domingo, 22 de agosto de 2010

"EXISTIRMOS: A QUE SERÁ QUE SE DESTINA?"
(Caetano Veloso)

Eu: um delírio

Existir é absurdo.
Eu não existe mais - e o pão está na porta.
Eu não existe mais - e mais cinco refinarias construídas.
Eu não existe mais - e vão eleger novo presidente.
Eu não existe mais - e o sol está lá fora.
Eu não existe mais. Apenas ele agora. A terceira pessoa, referida. Vista de fora. Apenas ele existe, a palavra oca e murcha, o verbo, o que restou do eu (que foi?) ele também já agonizante.
Existir é absurdo. A poesia é absurda.
Se ao menos planta, bicho,  corpo reincorporado na terra.
Mas, não. Gente. Absurdo. Lacuna indissolúvel para outros eus, enquanto forem.
Eu não existe mais.
Eu: um absurdo.
@Ana Ribeiro

(Adeus, Moreno: Lacuna indissolúvel. Dói.)

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Estes Dias



Dama Hipocrisia aponta na sala
E todos a olham, a seguem
Caminha firme e exclama forte
-Olá à todos! Diz sorridente


Atrás de cada máscara uma pessoa
Um padrão disseminado, assumido
O norte foge a verdade, caçoa
O homem prossegue, fingido


Pessoas agora são números
Olhares são meios de repreender
O ego se alimenta vorazmente
Pois tudo dá pra comer


O tempo é de vida vazia
E valor se pode morder
Vale muito olhar para trás
E voltar a aprender a viver.


Dama hipocrisia se despede
Seguida por todos da sala
Caminha firme e confiante
-Amanhã vejo todos vocês!
@Ana Ribeiro

sábado, 14 de agosto de 2010

MARIAS

Não me reconheço em ti.
Nem na pureza cândida,
nem na doçura dos lábios,
nem na beleza da pele
nem na brancura marmórea da pele.
Nem mesmo o manto que poderia também cobrir-me.
Parece-me curto demais para este corpo de hoje.
Não me reconheço em ti.
E por isso, não me reconheço em mim.
A pedra, a pele, a palavra ave: em mim uma caricatura.
Dessemelhantes no tempo, no modo.
O que é mesmo a virtude?
Talvez a dor nos aproxime. Talvez a dor. Talvez.
@Ana Ribeiro

domingo, 8 de agosto de 2010

Amores

São de amores, de amores,
que cantam os pássaros.
Que sopra o vento, no alento,
na brisa, na vida, nos cantos.
São de amores, louvores,
que sigo, que digo, que sou.
São de amores, amor,
anunciam os trovadores,
da vida, que segue, em nós.

terça-feira, 3 de agosto de 2010


Era festa. Nas roupas, nos sorrisos, no som eclético de conversas, risadas. Cheiro de quermesse cor de rua estreita. Minas interiores. Era festa nas ruas, nas janelas. Tantas pernas, e braços e bocas. A fumaça com cheiro antigo de carne queimando... A fumaça embaçando a cidade e o tempo que deixava suspensa a vida. A padroeira suspensa no andor... Justificar A procissão marcha. A marca. A vida. Piedade. A fumaça da barraca que embaça o tempo, que suspende a vida. A vida que só recomeça na preguiça de segunda.
Mas até que a segunda traga no amanhecer a sobra estranha desses dias, ainda é festa. A roupa é nova e cheira bom o batom. E o perfume ainda não se evaporou no suor que impregna a dança dos olhos. A alma pinga adrenalina sensual nas luzes da cidade e contagia os corpos que enchem as ruas, normalmente tão vazias nas manhãs de terça, quando os cães dormem sob o sol que espalha preguiça nos bancos dessa mesma praça. Pública.
Na terças e quintas e sextas... Trabalho incansável para fazer a festa fugaz desses dias. Parêntese de sonho que colore de luz um resto de ano. Tem missa na matriz, tem banda, foguete e barraquinha. Tem leilão, maçã do amor, brinquedos. O menino pula. Tem baile. A cachacinha, os namorados. A vida está na rua.
Não cabe perguntar. Não pergunte. Não abra as portas trancadas onde jazem os tristes. Tranque as janelas para não ouvir os gemidos. Ignore os bêbados, já sujos de madrugada. Isso fica para segunda... Hoje é festa. Você tem que ser feliz.
@Ana Ribeiro

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Imagem


Sou barroca de nascença
De almas múltiplas
Tríplice Aliança.
Réplica
Súplica
Imaculada.

Minha trindade não é santa nem eterna
Movimenta-se como as areias do Deserto
Deserto...

Máscaras tortas revelam minhas verdades contraditórias.
Sou de barro.
Maleável
Tridimensional.
Metamórfica.

Peco por não ser única. Eu mesma.
Trindade...

Cordeiro de Deus que tirai os pecados do mundo
Tende piedade de nós.
@Ana Ribeiro

sábado, 17 de julho de 2010

sábado, 3 de julho de 2010

Penumbra


entretida estava aberta a porta.
Pela fresta se insinuava uma luz semimorta
Nem entrava, nem saía.
Me deixava sem saber se era noite, se era dia
E a claridade torta,
alheia à minha agonia
brincava com a porta
que não se decidia.
Se se abria, escondia todo o dentro
o dentro que sempre doía.
Se se movia,
eu só via lá fora
A claridade embaçada do dia.
O ferrolho antigo, pesado e inútil
enferrujava morto a madeira fria
E eu ficava ali
No meio oco da travessia.
Sem saber se ficava
ou ia.
@Ana Ribeiro

quarta-feira, 30 de junho de 2010

Mudez


Céus e terras passarão
minhas palavras também.
E eu que não falo
não calo.
Escrevo.
Esta página branca é um espelho
que me devolve em eco esse meu grito louco.
Seu som insuportável arde em meus olhos.

Céus e terras passarão.
Minhas palavras também.
@Ana Ribeiro

terça-feira, 29 de junho de 2010

Para um amigo


E agora, José?
Ficou importante
É poema, não é?
Ficou impotente
Imponente o José.

Perdeu o emprego
Conhece as marés
é forte
bateu
bebeu
morreu
Virou poema, José.

Está bêbado, José
Conhece Cristo,
Platao, Cecília e Russo
Puro delírio...
lúcido.

Não tem amigos
Tem galera
Na maioria das vezes (que lugar comum!)
Está sozinho
Faz piada com sua dor
fingidor.

Cita São Lucas na mesa do bar
Cansado, cambaleia
Não cai
Jamais.
Fala de Morrison, Dylan e Cássia
Para aquela turma do botequim
que não quer saber de política
Apenas sorri com o mundo azul marinho

E você é profeta, parodia
É louco, anuncia
É José e não disfarça
E agora?

Você cheira a whisky e está no poema
Não trabalha e está no poema
Tem insônias, fobias, ataques, delírios
e está no poema
E agora?

E agora, José?
Meu tempo acabou
Já vi seu riso e por trás, a dor
Seu amor
Por Hendrix, Lennon, Simon
Pagodinho
Outro José

Não completou escolaridade
Mas entende tudo de alma humana
É bêbado
José
Sem graduação, nem disciplina

Mas...
Há um brilho que me atrai por trás de seus olhos vermelhos
Talvez porque me façam viajar
as suas fantasias
E você entra no poema, José
Porque é grande
sua fé.
@Ana Ribeiro

sábado, 26 de junho de 2010

O ser e o tempo


Eu sei que não é mais
sei que agora só será amanhã
e que hoje, é só construção
que se faz sem rasuras

Somente no dia que virá poderá estar pronto o dia que hoje já se vai.
o mesmo que estará sendo construído ainda
o fato é que só existe agora,
esse instante
que já foi.

Na verdade, à soma dos dias, me subtraio a cada momento

O sou
ainda será
Hoje sou apenas processo
construção eterna
que angustia
mas me liberta
da obrigação de ser
Mas antes,
me deixa isenta da culpa
de vir-a-ser
sempre
eu.
@Ana Ribeiro

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Lúdico cárcere


Marginal
é a linha
que limita
Minha língua
minha arte
arsenal
artesanal
marginal
Minha língua
ângulo
célula
rótula
pérola
Código
Marginal
Eu
Marginal____________
@Ana Ribeiro

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Abismo


E no meio de tudo
uma palavra se pendura.
O vácuo a deixa
entre a permanência e a queda.
Fatal é a inércia do dia.
@Ana Ribeiro

Sentença

 Todo mundo vai morrer. Mas ninguém devia morrer de câncer. Porque de câncer não se morre... se vai morrendo... O gerúndio como o grande mal...