domingo, 6 de janeiro de 2019

Azul e rosa, príncipes e princesas - e o sapo

A polêmica das cores movimentou as redes sociais durante a semana. A afirmação da Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, de que "meninos vestem azul e meninas vestem rosa" provocou uma onda de memes e críticas na internet, assim como de discursos acalorados defendendo e/ou justificando as colocações feitas por ela.
Muitos acham que a Ministra defende o natural e o óbvio. Irritam-se com as críticas que foram feitas e a defendem, justificando que ela fez uso de uma metáfora, ou seja, que ela não quis dizer exatamente que meninos devem vestir azul e meninas devem vestir rosa, mas sim que meninos devem se comportar conforme  o que é esperado para uma pessoa que nasceu com o sexo masculino e meninas devem se comportar conforme o que é esperado para pessoas que nasceram com o sexo feminino. Sim. Todos entendemos que é mesmo uma metáfora e uma metáfora que quer significar exatamente isto: todos e todas devem se comportar dentro dos padrões da heteronormatividade, ou seja, tudo aquilo que saia fora desta curva é considerado "anormal".
Pois bem, a indignação de muitos outros e outras é justamente contra este conceito. Ao dizer que meninos vestem azul e meninas vestem rosa, a pessoa que supostamente foi indicada para defender os Direitos Humanos, ignora milhares e milhares de pessoas que não se identificam dentro dos padrões sociais estabelecidos. Digo padrões sociais, porque a identidade de gênero não é natural como querem nos fazer crer. Pelo menos, não é natural no sentido de que nascemos com a identidade de gênero que socialmente esperam para o sexo que carregamos. Se fosse tão natural assim, não haveria a necessidade de se reafirmar o tempo todo a identidade masculina para os meninos ou feminina para meninas. Não seria necessário se definir cores, brinquedos e comportamentos "adequados" para cada um ou uma, já que naturalmente nasceríamos com as características próprias esperadas para cada sexo. Ao contrário, o que vemos são pais impedindo que (principalmente meninos) usem determinadas cores, produtos ou brinquedos, com muito medo de que passem a ter um comportamento diferente daquele aceito socialmente.
Negar que haja outras identidades além do binarismo homem-mulher é lançar na marginalidade um número enorme de pessoas. Reforçar esse binarismo e demonizar outras identidades, aí sim, é doutrinar dentro de uma ideologia de gênero machista, opressora e intolerante que incentiva e permite violentar e matar todos os dias, as chamadas "minorias": mulheres e população LGBTI.
Por outro lado, um Estado que reconhece e acolhe todos e todas, sem exceção, é um Estado que fomenta o respeito à diversidade e a tolerância.
Menino veste azul. Menina veste rosa. Afirmações complexas e culturais e que precisam ser discutidas, já que há muitos meninos que não "vestem" azul e muitas meninas que não "vestem" rosa, por mais que as regras ditatoriais da heteronormatividade queiram impor. Afirmativas como estas, feitas pelas pessoas que estão gerindo o país e que se dizem nossos representantes contribuem para se naturalizar a violência que tem sido perpetuada ao longo dos séculos.
O que se busca é o respeito mútuo, o reconhecimento do outro, a tolerância. O mínimo que o Estado pode fazer é reconhecer  estas diferenças e contribuir, de alguma forma para que todos e todas possam viver em paz. 
Nesse sentido, é muito séria a demonização das escolas públicas. Como professora digo com muita tranquilidade que tudo o que buscamos é combater o ódio e cultivar a tolerância. Procuramos aceitar as peculiaridades individuais e ajudar nossos alunos a se aceitarem e aceitarem o outro como são. Apenas isso.
O mínimo que se espera de um governo que quer revolucionar a educação é que venha nos conhecer, conhecer a escola, estudar nossos currículos e programas, conversar com nossos alunos e, sob um viés democrático, iniciar um diálogo respeitoso para que a mudança então se estabeleça. Mas tudo que vejo são medidas que estão sendo tomadas sem conhecimento de causa e a partir de pressuposições absurdas.
Quando o Estado diz à sua população que a escola propaga uma "ideologia de gênero" maquiavélica, que subverte, confunde, destrói a identidade das crianças e adolescentes  e coloca os professores como doutrinadores diabólicos, ela coloca toda uma sociedade contra a escola e seus professores. Essa é uma ação perversa, pois somente contribui  com a desvalorização que essa instituição tão importante vem sofrendo nos últimos anos.
Precisamos de apoio, diálogo, formação continuada, infraestrutura. Precisamos que creiam em nós. Precisamos de um governo que seja nosso parceiro e não nosso inimigo. Somente assim, juntos, poderemos construir um país mais justo, solidário, com equidade e respeito. Sem a escola (ainda não há) futuro possível. Um país que se coloca contra ela está fadado a se autodestruir e, dificilmente, conseguirá se reerguer.
@anaribeiro

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