sexta-feira, 15 de maio de 2020

O destino é macho. Acha que manda. Pensa que domina. Espera obediência. Exige submissão. Apaga as vontades. Invisibiliza o arbítrio. Diz sempre que foi ele que deu a palavra final. O destino sempre foi usado como instrumento de opressão feminina e a sociedade, mais especificamente a sociedade ocidental, sempre puniu quem escapava dele. Através de instituições e mecanismos diversos, amparada pela religião ou pela ciência, queimou bruxas, internou histéricas, perseguiu as que ousavam não ser filhas obedientes, esposas submissas, mães dedicadas... 
O destino tenta rasurar os desvios, as exceções, as veredas. Embora, muitas vezes ignoradas,  há vontade, rebeldia, coragem, resistência. Há luta. Substantivos femininos capazes de romper qualquer amarra. Na marra. E são essas transgressões ou transgressoras, que jogaram e continuam jogando luz sobre uma verdade inquietante: não há predestinação possível quando se trata de seres humanos. Nossa identidade, nossa sexualidade, a maneira como vemos o mundo, o que desejamos para nós mesmas, como lidamos com nossos corpos, nossos afetos, nossas angústias são prerrogativas incontroláveis, não rotuláveis, não padronizáveis. E é isso que move o mundo e faz caminhar a humanidade.
Ao colocar-se como algo fora de nós, comandado por forças sobrenaturais, o "destino" parece fora do nosso controle e só nos resta então aceitarmos nossa sina. Obedecermos. Essa aceitação arrefece nosso desejo de lutar e mina nosso ânimo diante da vida. 
A transformação pode começar pela palavra. O vocabulário que constroi nossa rotina, constroi também nossa realidade, nosso comportamento e nossas ações. Então, vamos experimentar substituir destino, por escolha. Que tal?
Seu destino, mulher, é ser escolha. Seu destino não é ser mãe. Não é seu destino ser doce, equilibrada, sensata. Seu destino não é obedecer, submeter-se, subjugar-se. Não é ser subempregada, violentada, impedida, calada. Também não é ser linda 24 horas. Não é ser perfeita, seja lá o que isso signifique para você. Seu destino, não é, nem mesmo, ser mulher, se não quiser (ou não puder). Permita-se ser escolha. Embora saibamos que fazer escolhas não é uma tarefa simples. Além de nem sempre serem conscientes, nossos desejos podem ser difíceis de serem concretizados, pois podem estar vinculados a fatores psicológicos, sociais, econômicos, políticos e/ou culturais. Então, podemos dizer que escolher pode ser uma possibilidade mais viável para algumas mulheres, do que para outras. Mas o que importa é ter a consciência de que escolhas são possíveis, pressupõem um(a) agente e podem mudar destinos. Saber disso nos dá poder. 
Seja mãe. Porque quer. Seja dona de casa. Porque quer. Seja empresária, porque quer. Seja santa ou puta. Porque quer. Não deixe que o discurso machista dominante diga que o papel que você deve desempenhar é o que o destino lhe reserva, ou justificar as misérias de sua condição feminina como vontade de deus.  O destino é (só) uma palavra, uma história ruim. Se é narrativa, você pode recontá-la, subvertê-la, desconstruí-la, revolucioná-la. O destino não é seu dono. Ninguém é. Reconte essa história a partir de sua palavra de mulher, a partir do seu horizonte feminino. Muitas morreram e morrem para que você possa optar, ser, construir-se, avançar e recuar. Sem medo. Escolha assumir as rédeas da sua vida e mude a rota e o itinerário. E então, o destino será apenas o lugar onde você se propôs a chegar.
@anaribeiro



Sentença

 Todo mundo vai morrer. Mas ninguém devia morrer de câncer. Porque de câncer não se morre... se vai morrendo... O gerúndio como o grande mal...