Já nasceu ferida
ali. bem na beiradinha do mundo.
Ninguém a queria, menina.
Aprendeu a tomar o que sempre foi seu.
Com unhas e dentes, literalmente.
Cresceu destemida.
Achava que era bonito ser feliz.
Andar de batom.
No grito,
no muque,
no chute no peito.
Tomava alegria, achava que dava, se fosse bem forte.
Ferida de morte
De blush e perfume
Com pernas bonitas
Não mais de catorze.
Pegava na marra: os homens, as honras, a fama e a glória.
Seu nome era forte. Batia na morte e vencia: todos os dias.
Santa, flor, menina.
Eram nomes que ela não tinha.
Outros, mais duros, mais fortes, mais sujos, eram os que melhor lhe cabia.
Se queria, beijava
porque senão, batia.
Vendia prazer, sempre no fim do dia.
Seu seio perdido na palma da mão
nunca foi peito de leite tão branco
Pele quente de seda.
Menina mulher perdida e achada
nem flor, nem pecado. Já era da vida.
Gostava da vida, quem disse que não?
Vítima nada,
Ovelha desgarrada, gostava assim.
Negra ovelha, nessa brancura sem fim.
Achava bonito ser feliz.
E não era má.
Um dia, bonita, no meio do salão.
Ele que não a conhecia, a pegou pela mão.
Dançou orgulhoso, olhou em seus olhos,
falou com carinho, baixinho.
Beijou-lhe a boca, tão suja, tão velha de tantos pecados.
Lavou-lhe a alma sem compaixão.
Bailaram, bailaram.
Beijaram-se sem exceção.
A cabeça no ombro de frágil idade.
Ele não sabia que não podia.
Que ela era da vida. Não era pra casar.
Ela, arrebatada, entregava-se noiva, sem saber.
E aquela noite, aquela música. Congelaram no corpo a palavra que mata.
Até que o baile acabou.
@anaribeiro