tag:blogger.com,1999:blog-19912388274398070252024-03-03T21:25:56.640-03:00Palavra de MulherAna Ribeirohttp://www.blogger.com/profile/11142798788996344092noreply@blogger.comBlogger116125tag:blogger.com,1999:blog-1991238827439807025.post-52069963157536543662023-07-06T17:34:00.004-03:002023-12-29T10:38:22.467-03:00Sentença<p> Todo mundo vai morrer.</p><p>Mas ninguém devia morrer de câncer.</p><p>Porque de câncer não se morre... se vai morrendo...</p><p>O gerúndio como o grande mal.</p><p>se vai morrendo:</p><p>de doença, de tristeza, de desengano, de raiva, de resignação, de despedida todos os dias,</p><p>de acordar e ver que acordou mais uma vez, de esperar, de ter esperança, de não ter esperança. </p><p>Não é justo com a vida que resta esse cansaço de guilhotina à espreita.</p><p>@Ana Ribeiro</p><p><br /></p>Ana Ribeirohttp://www.blogger.com/profile/11142798788996344092noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-1991238827439807025.post-7104939442746962062021-05-16T18:59:00.010-03:002023-12-29T10:38:44.610-03:00ObtuárioMorreu Bené<div>Délia se foi</div><div>Dulce partiu</div><div>Filó descansou</div><div>Acabou-se Abreu</div><div><br /></div><div><br /></div><div>Dizem que ainda se vão mais uns muitos</div><div>mais de mil</div><div>mais de mil e cem</div><div>Dizem que ainda vão muitos, muitos mais que cem mil</div><div><br /></div><div>Nessa conta Maria não entra</div><div><br /></div><div><br /></div><div>No começo teve medo. Fechou janela. Se escondeu da comadre. Desculpou-se com o Padre e não foi comungar.</div><div>Mas agora não tem mais susto, nem arregala os olhos, nem põe as mãos na cabeça.</div><div>Quinzin' morreu? É mesmo? E nem levanta os olhos do tanque inundado até a boca, molhando sua barriga. E segue a segunda feira.</div><div><br /></div><div>No começo era um horror: dez, cinquenta, quinhentos... Mas isso foi há muito tempo.</div><div>Maria já não conta mais.</div><div>É que agora... tem que tocar a vida.</div><div>@Ana Ribeiro</div><div><br /></div><div><br /></div><div><br /></div><div><br /></div>Ana Ribeirohttp://www.blogger.com/profile/11142798788996344092noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-1991238827439807025.post-87084120250223670052020-11-13T09:08:00.000-03:002020-11-13T09:08:37.443-03:00Minhas gavetas<div style="text-align: left;"><div style="text-align: center;"><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj8R5pUUxb2LdxRokCNCsY86YXWTLHe2S6j-F1BFlUDdoalIy0q1ImbHgZHNdrFFTohDrW1vzq77vLfG1q7D_K82YPZ1MKoaAsCY3H9APwVuZ2Oxa6zq95_zEmCE7px1zNmsWMvOeehenZq/s700/img_1_75_2448.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="394" data-original-width="700" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj8R5pUUxb2LdxRokCNCsY86YXWTLHe2S6j-F1BFlUDdoalIy0q1ImbHgZHNdrFFTohDrW1vzq77vLfG1q7D_K82YPZ1MKoaAsCY3H9APwVuZ2Oxa6zq95_zEmCE7px1zNmsWMvOeehenZq/s320/img_1_75_2448.jpg" width="320" /></a></div> Tenho uma tristeza profunda, </div><div style="text-align: center;">guardada só pra mim, </div></div><div style="text-align: center;">que vez ou outra aflora, </div><div style="text-align: center;">mas não adianta espiar, </div><div style="text-align: center;">não pode ser vista do lado de fora!</div><div style="text-align: center;"><br /></div><div style="text-align: center;">Fico olhando pra ela,</div><div style="text-align: center;">tentando entender,<br /></div><div style="text-align: center;">procurando as raízes e vendo suas teias,</div><div style="text-align: center;">e não acho nada que me aponte,</div><div style="text-align: center;">nenhum norte que me mostre suas veias!</div><div style="text-align: center;"><br /></div><div style="text-align: center;">Tenho uma tristeza bem funda,</div><div style="text-align: center;">que cuido dela sem te mostrar,</div><div style="text-align: center;">não faço barulho e não deixo escutar,</div><div style="text-align: center;">o que ela sussurra quando quer falar</div><div style="text-align: center;">você não escuta e não adianta espiar. </div>Unknownnoreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-1991238827439807025.post-31710373343237010692020-07-21T21:45:00.000-03:002020-07-21T22:27:26.246-03:00Vou te contar um segredo<div style="text-align: justify;">
É possível falar do que poderia ter sido? Já parou para pensar em todas as coisas em sua vida que poderiam ter sido, mas não foram? Não digo aquelas que você escolheu não fazer. Não me refiro às opções conscientes, refletidas, pensadas e pesadas. Penso nos pequenos atos involuntários de recusa: o olhar que não sustentou, a mão que você segurou, para que impulsivamente não tocasse outra, parecendo ter vontade própria; o beijo que, por um triz, você não se permitiu; o salto que você não deu, a estrada que não trilhou; a palavra que não disse. Um lampejo de desejo que esteve prestes a se concretizar, mas que ficou apenas no seu pensamento. Ninguém soube. Nem você mesma se permitiu pensar ou sentir, mas que, denso e robusto desobedeceu sua razão e surgiu forte, fora do seu controle. Coisas que ficaram no universo do quase, ações que, por uma fração de segundo, não aconteceram, sabe-se lá por que razão. Censura? Autocensura? Ação inconsciente do superego castrador? Superforçadevontade? Ou por razões mais altruístas, como não magoar alguém, por exemplo?</div>
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O que poderia ter sido não se realizou, mas fica encasulado e latente, e tocá-lo, ainda que de leve, pelas vias da memória, faz reavivar a potência de sua existência não concretizada, cuja energia faz esfriar a barriga e eriçar os pelos do corpo. Estranhamente, o que não existiu é capaz de despertar emoções indescritíveis e difíceis de nomear: medo, euforia, vergonha, recusa, culpa, susto... tudo ao mesmo tempo agora! A memória da sensação que poderia ter sido sentida se o ato se consumasse erige embrionária, inteira, explosiva e quente, mas não extravasa. Volta para junto do que não foi, empurrada por forças que a realidade, o cotidiano e a vida que escolhemos não permitem mais que se concretize. Entretanto, sabemos que a lembrança está lá, perdida em algum lugar da memória, que por vezes, é inesperadamente e inexplicavelmente acessada por um estímulo qualquer: um cheiro, uma música, um lugar, um objeto, um pensamento, alguém.</div>
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Porém devo repetir: Isso que não foi, não poderia mesmo ter sido. E por isso, é belo. E por isso, comove. Sinto saudade do que não fiz. Há coisas das quais me arrependo de não ter feito. Mas não são dessas que eu falo. Digo daquelas que quase fiz, que meu pensamento quase me fez acreditar que aconteceram, porque senti como se tivessem acontecido. Desejos que cruzaram rapidamente meu pensamento, mas que foram afastados com a mesma pressa pela minha razão. São esses que guardo com estima e os quais, às vezes, me permito reviver e experimentar as sensações que me provocam. O que poderia ter sido me lembra quem sou, de outras que fui ou que poderia ser, ou propõem uma promessa rascunhada de mim. </div>
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O que poderia ter sido não poderia mesmo ter sido e deve permanecer envolto nessa névoa de pretensa realidade. Não dói não ter acontecido. Falo de um alegre não realizado. O que poderia ter sido são muitos. O que poderia ter sido é um tesouro que fui ajuntando em um baú de pequenas lembranças esparsas. É com ele que brinco às vezes. Procuro as chaves, abro sua tampa abaulada e antiga, seu brilho me cega por um minuto. Levo a mão indecisa em sua direção. Não toco. Fico imaginando textura, temperatura, outras sensações. Torno a fechá-lo, para que sua beleza não se perca. É bom saber que está lá e que vai estar para sempre. Justamente porque só existe assim: em estado de pura possibilidade. @anaribeiro</div>
Ana Ribeirohttp://www.blogger.com/profile/11142798788996344092noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-1991238827439807025.post-77508382560083706632020-06-22T12:53:00.002-03:002023-12-29T10:39:27.063-03:00 Pique-esconde: muito revela o que se oculta<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: #ead1dc;">Esse é um texto de memórias. Para que você o compreenda melhor, preciso dizer de onde venho e de que lugar eu falo. É necessário esclarecer também que os pontos de vista se misturam entre este olhar de hoje e as lembranças de criança. Isto posto, apresento-lhes a minha origem: brasileira, mineira do interior, criada no seio de uma família branca, católica, com raízes conservadoras. Entretanto, dentro desse contexto, posso me considerar privilegiada. Filha de professores: mãe formada pelo antigo curso normal e pai, pela vida. Ambos me deram, cada um, sua melhor parte, e foi a partir desse alicerce que fui me construindo.</span></div>
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Desde que nasci, moro na mesma pequena Piedade do Rio Grande. - Sim. Piedade do Rio Grande... Não é esse nome pura poesia? Era final da década de 1970. Minha casa localizava-se na rua que ficava nos fundos da delegacia. E é esse espaço de vivência infantil o mote principal para essa história. No coração dos chamados anos de chumbo, como ficou conhecida a ditadura militar no Brasil, passei toda a minha infância. Já ouvi muitos por aí dizerem que não viram essa tragédia acontecer e que a repressão no país é uma narrativa de ocasião. Alguns dizem mesmo que sonham com a volta do Brasil dos "anos dourados", "quando tudo era bom, seguro e perfeito." Muitos suspiram pelas redes sociais. Os tais saudosos da lei e da ordem (impostas sob a força das fardas e dos coturnos); dos costumes conservadores e da autoridade patriarcal (que escondiam o adultério, a pedofilia, a violência doméstica e a opressão feminina); da pobreza imensa (faltava comida, saneamento básico, acesso à saúde em proporções infinitamente maiores); do analfabetismo, do subdesenvolvimento, da desigualdade gigantesca e do apartheid racial - naquela época muito maior, e o que é pior: naturalizado e invisibilizado. </span></div>
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Pois bem. Preciso dizer que eu também não vi os horrores cometidos nesse período. Ou, pelo menos, não vi no sentido mais literal da palavra, principalmente porque era só uma criança e pairava sempre uma neblina embaçadora sobre tudo que dizia respeito a certos assuntos e ao universo dos adultos. Conversa de gente grande era conversa de gente grande, embora eu ouvisse muita coisa sem querer. E, diga-se de passagem, eu ouvia muita coisa que me tirava o sono e a inocência que tanto queriam preservar.</span><br />
<span style="background-color: #ead1dc;"><br /></span></div>
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<span style="background-color: #ead1dc;">Eram comuns as tardes na calçada depois da escola. Enquanto os vizinhos se sentavam para descansar do dia de trabalho e contarem os casos, as crianças brincavam de roda, de corda, de bola, de pique... Era assim que as pessoas se divertiam antes da internet (e da televisão até... Em tempos de redes sociais é quase inacreditável que isso tenha acontecido um dia, não é mesmo?)</span><br />
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Eu também vivia essa rotina. Na calçada, à tardezinha, a algazarra infantil antes do banho e do jantar. Mas por menos que eu quisesse, estava sempre ali, ouvindo coisas, o que me atrapalhava brincar também. Nunca fui muito boa em brincadeiras, acho que porque sempre estava com um bolo estranho no estômago, preocupada com coisas de adulto... antes da hora.</span><br />
<span style="background-color: #ead1dc;"><br /></span></div>
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<span style="background-color: #ead1dc;">E durante essas conversas despretensiosas sempre havia os casos sobre a delegacia e também sobre a temida "caixa d'água", que até hoje tenho dúvidas sobre onde ficava, mas que acredito fosse uma extensão do destacamento da polícia militar. Um reservatório desativado para onde, depois da coça, eram levados os presos para passarem à noite. Havia sempre muitas histórias sobre as pessoas que eram presas e o que acontecia com elas... os métodos utilizados para corrigir quem precisasse "dormir no xadrez". Ouvia muitas conversas veladas sobre os gritos que os vizinhos ouviam e as técnicas que os policiais utilizavam para não deixar marcas nos corpos detidos. Os crimes? Na maioria das vezes, eram brigas de rua ou bebedeiras, quase sempre, envolvendo homens negros e pobres. No entanto, o que me causava pavor era o relato dos castigos... Esses sim, eram desproporcionais. E havia um método. Um método militar. Lembro-me dos policiais e de como eram chamados de "maus", em segredo. Seus sobrenomes (geralmente, pelos quais eram conhecidos) me causam arrepios, ainda hoje. Eu nunca soube direito o que sentir ou o que pensar quando cruzava com algum deles na rua, mas certamente, não era sentimento de segurança ou de proteção o que eu experimentava. Então... baixava a cabeça e seguia. Com medo. Fui colega de turma e parceira de brincadeiras da filha de um deles, durante um certo período. E ficava pensando como seria esse homem em casa. Como seria esse pai, esse marido. Essa marca de insegurança, mesmo com as políticas de humanização da polícia, infelizmente ainda permanecem.</span><br />
<span style="background-color: #ead1dc;"><br /></span></div>
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<span style="background-color: #ead1dc;">O fato é que a , "a disciplina", o autoritarismo e a violência dos policiais se repetiam na atitude de muitos pais de amigos meus que tinham um "método" também para corrigir seus filhos "rebeldes". Repetiam-se na maneira como muitos homens tratavam suas mulheres, na estrutura da igreja e da escola, na atitude dos professores. E foi através dessas instituições que eu vi a repressão acontecer. Posso dizer, com tranquilidade que não tenho saudade desse tempo, porque essa aura opressora marcou profundamente a minha infância. Mesmo que não tenhamos sido presos, torturados, perseguidos, a lógica castradora, ameaçadora, impositiva e de censura perpassava todos os aspectos da vida em sociedade, até mesmo, na minha pequena Piedade, onde quase tudo demorava muito para chegar. As cicatrizes dessa complexa rede metodológica de educação da população ainda são visíveis e nos causam imensa vergonha. Esse reflexos estavam na minha família também. Embora meus pais fossem carinhosos e cuidadosos, podia perceber o quanto eram também reservados e reprimidos. Minha mãe, extremamente discreta, não se permitia falar muita coisa. Acho que não se permita mesmo pensar em muita coisa, quem dirá fazer... Era brava, tensa, preocupada, me parecia que estava sempre com medo de perder o controle e de errar com a gente. O sistema a subjugava profundamente.</span><br />
<span style="background-color: #ead1dc;"><br /></span></div>
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<span style="background-color: #ead1dc;">Mas há sempre uma fissura em qualquer estrutura. Há movimentos e pessoas que simplesmente escapam dessa rede de poder que envolve uma sociedade. Há microluta, ainda que inconsciente. Posso dizer que meu pai era uma dessas pessoas. Era mais leve. Extremamente observador e reflexivo, sempre gostou de me contar histórias. Primeiro as da bíblia, mas escolhia as que mais atiçavam minha imaginação: Adão e Eva, a construção da Torre de Babel, a Arca de Noé, a peregrinação de Maria, Herodes... mas não dava ênfase à castração, à violência, ao castigo e transformava tudo de uma forma que coubesse na minha cabeça e avivasse minha imaginação. Enfatizava sempre o perdão e o amor nelas contidas. Além disso, me contava suas próprias experiências de menino e fazia desfilar, de forma muito viva na minha mente, as figuras de sua infância real e transformava-as em personagens incríveis. Mas o que mais me fazia admirá-lo era sua capacidade de deixar sempre uma pergunta no ar, de me fazer um questionamento que eu não sabia responder e me deixar pensando em alguma coisa por horas e horas. Ele me mostrou que não havia respostas prontas e que uma narrativa podia ter ângulos e avessos diversos. E que tudo, absolutamente tudo, podia ser questionado. Foi meu primeiro professor de Filosofia, eu acho. Sua luta contra o sistema acontecia, primeiro, dentro de si mesmo, e depois, na maneira como nos mostrou a vida e nos educou.</span><br />
<span style="background-color: #ead1dc;"><br /></span></div>
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<span style="background-color: #ead1dc;">Mas além dele, não havia muita coisa diferente. Todos os outros mecanismos eram repressores o que me transformou em uma criança muito obediente e comportada, além de medrosa e ansiosa. Por outro lado, sempre fui curiosa e muito desassossegada sobre o mundo e as pessoas e também insatisfeita com muitos dogmas, regras e costumes. Entretanto, ao invés de me rebelar, culpava-me pelo que sentia e tinha medo, até mesmo dos meus pensamentos. </span></div>
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<span style="background-color: #ead1dc;">No início da adolescência, tive consciência das perseguições, prisões, torturas. Tomei conhecimento de um grupo de estudantes presos, dentre os quais havia um piedense, hoje médico e pesquisador reconhecido, mas que carrega as marcas desse período eternamente em seu corpo, violentado por lutar contra um sistema autoritário e opressor. E foi assim que comecei a enxergar, ainda que nebulosamente, alguma coisa.</span><br />
<span style="background-color: #ead1dc;"><br /></span></div>
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<span style="background-color: #ead1dc;">No início da adolescência, já no alvorecer dos anos de 1980, veio para a cidade um delegado (quando ainda havia delegados aqui), do qual não me recordo o nome, mas que foi apelidado de "Cachimbão" por ter sempre um cachimbo entortando a boca debaixo de um espesso e escuro bigode. Tinha a fama de autoritário, pouco gentil, para dizer o mínimo. Chegou para ser o terror dos que se recusavam a se encaixar na sua cartilha. Pais e professores diziam que foi destacado para por ordem na cidade, referindo-se às reuniões, encontros e ações naturais de jovens e adolescentes. No meu entender, veio parar aqui porque tinha atitudes retrógradas e saudosistas, que tentavam ressuscitar uma época que entrava em decadência e que, na prática, já não era mais aceita nos centros mais politizados. Lembro-me que todos os anos, a escola precisava participar dos tradicionais desfiles de sete de setembro e me recordo que em sua gestão, ele era chamado para ajudar nos ensaios. Ai de quem marchasse fora do compasso, ou colocasse mais força na perna errada, olhasse para trás, ou risse, ainda que por nervosismo. Eu, que nunca tive coordenação motora bem desenvolvida, um fracasso em danças ou esportes que exigissem reflexo rápido, vivia uma situação extremamente estressante, chegando a ter febre ou adoecer de medo, durante a semana de ensaios. Apesar de todo o aparato que construía essa figura, naquele momento, ele já era apenas um resquício da ditadura militar, uma caricatura de um período que havia sido derrubado e que não fazia mais sentido. Em alguns, como eu, despertava medo, mas em outros, provocava riso, deboche e desejo de transgressão. Hoje, comparo aquela figura com os personagens militares malhados por alguns programas de humor, como o Sargento Pincel dos trapalhões ou figuras dos quadrinhos, como "O recruta Zero", por exemplo.</span><br />
<span style="background-color: #ead1dc;"><br /></span></div>
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<span style="background-color: #ead1dc;">Com a abertura política, a anistia. Os exilados começaram a voltar. Foi aí que comecei a ouvir sobre a Tropicália, Chico Buarque, Gil e Caetano... Vandré. Somente fui ouvi-los, muito depois de seu tempo de produção, quando voltaram a ter sua música/poesia autorizadas pelo sistema. E somente muito mais tarde, ouvi falar sobre a resistência feminina, seja nos costumes, na cultura ou na militãncia: Leila Diniz, Elis, Rita Lee, Dilma Roussef, dentre outras. Na escola, era nítida a transição. Havia professores de linhas pedagógicas diferenciadas, o que acabava nos deixando meio confusos. Vários docentes autoritários, ou muito sérios, disciplinadores, adeptos do sistema sob o qual foram forjados. Por outro lado, havia também os que já podiam ser engraçados, além dos questionadores. Estes, oscilavam entre o desejo de estarem na vanguarda da mudança e o hábito de ter que manter tudo e todos sob seu controle. Ainda guardavam - sem que percebessem - o alerta, o medo de falar, e de nos abrir a consciência. Mas apesar do receio, fizeram seu trabalho com paixão, muitas vezes trazendo informações que não estavam registradas nos livros didáticos. Foi nesse contexto de sentimentos e atitudes conflituosas que fui formada.</span><br />
<span style="background-color: #ead1dc;"><br /></span></div>
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<span style="background-color: #ead1dc;">Quando ouvia os fatos referentes ao golpe de 64, que na época ainda era chamado de "revolução", eu percebia o tamanho daquele momento histórico, e apesar de ficar profundamente ferida com as os relatos que eu ouvia, eles também me fascinavam. Era um período de reescrita da História, sob a ótica dos que lutaram e sofreram as agruras de um período de exceção, sem liberdade para pensar e falar sobre política, justiça social e outras questões sérias para o ser humano.</span><br />
<span style="background-color: #ead1dc;">Quando alguns afirmam que não acontecia nada ao "cidadão de bem" durante a intervenção militar, referem-se àqueles que não se envolveram ou fingiram não ver, por comodismo, medo ou falta de informação.</span><br />
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Agradeço muito aos meus professores de História, os quais, mesmo que ainda apreensivos, me descortinaram esse universo de luta e resistência. O movimento das "Diretas Já" e a reconquista do direito ao voto foram as coisas mais maravilhosas que pude presenciar. "Coração de Estudante", na voz de Milton Nascimento ainda ecoa lindamente em meus ouvidos. Vi Tancredo ser eleito e não assumir, Collor chegar à presidência e sofrer impeachment, a festa da Constituição Cidadã, o boom do pop rock nacional, o início da discussão sobre diversidade e inclusão... a era PT e seu sonho de justiça social... mas nada disso me fez compreender muito bem a política. Acredito que essa lacuna em nossa formação é que permite esse movimento cíclico em que ameaças ditatoriais, vez ou outra, acabem nos rondando.</span><br />
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<span style="background-color: #ead1dc;">Apesar do caos que estamos vivendo, penso que o momento é pedagógico. Ainda que o fluxo da história seja contínuo e o que vivemos hoje seja fruto de acontecimentos sucessivos e importantes ao longo do tempo, há uma transformação histórica de grandes proporções acontecendo agora, diante dos nossos olhos. Embora a apreensão ainda ronde meu coração, há também sentimentos (positivos) diversos que ando experimentando. Gosto da sensação de fazer parte dessas discussões, de tentar compreender o momento no tempo mesmo em que ele acontece e de estar sustentando, de alguma forma, a honra de muitos que foram perseguidos, exilados, torturados, ou morreram por acreditarem e lutarem por um país mais justo, igualitário e democrático, que estávamos começando a ver existir de verdade. Há sobreviventes entre esses heróis. Estão, mais do que nunca, vivos e atuantes e é sob a luz que emanam, que vou, ao lado deles, tentando trilhar um caminho que se desvie do retrocesso que teimam em nos infligir.</span><br />
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<span style="background-color: #ead1dc;">O delegado Cachimbão está novamente entre nós e sua face é dúbia. Há uma possibilidade real de ameaça à democracia que deve ser enfrentada. Não com o medo que tanto me fez mal a vida toda, mas com a coragem e a resistência necessárias para preservarmos a liberdade e a independência que conquistamos a duras penas. Entretanto, essa ameaça, por outro lado, é uma imagem grotesca de um tempo que não existe mais, representada pela figura anacrônica de um presidente, cujas atitudes parecem fora do lugar, cujo discurso não cabe nesse tempo e não serve para pautar nossas necessidades; um político vaidoso, egoísta, preconceituoso, covarde. Um ser que evoca a tortura dos dissidentes e a eliminação dos opositores. Não é um liberal conservador, como tenta se afirmar, mas sim, uma versão tupiniquim e esquálida do fascismo que volta a assombrar o mundo. Uma figura tosca e mal acabada, que nos faz rir de nervoso, que tenta nos tirar o sono e ser nosso pesadelo. Mas eu não tenho mais medo, e posso dizer para a menina que ainda me habita: "Pode brincar agora. Ainda é tempo. E depois, durma em paz.</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="background-color: #ead1dc;">@anaribeiro</span></div>
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Ana Ribeirohttp://www.blogger.com/profile/11142798788996344092noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-1991238827439807025.post-18678889808976049582020-05-15T20:53:00.001-03:002023-12-29T10:39:46.769-03:00<div style="text-align: justify;">
O destino é macho. Acha que manda. Pensa que domina. Espera obediência. Exige submissão. Apaga as vontades. Invisibiliza o arbítrio. Diz sempre que foi ele que deu a palavra final. O destino sempre foi usado como instrumento de opressão feminina e a sociedade, mais especificamente a sociedade ocidental, sempre puniu quem escapava dele. Através de instituições e mecanismos diversos, amparada pela religião ou pela ciência, queimou bruxas, internou histéricas, perseguiu as que ousavam não ser filhas obedientes, esposas submissas, mães dedicadas... </div>
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O destino tenta rasurar os desvios, as exceções, as veredas. Embora, muitas vezes ignoradas, há vontade, rebeldia, coragem, resistência. Há luta. Substantivos femininos capazes de romper qualquer amarra. Na marra. E são essas transgressões ou transgressoras, que jogaram e continuam jogando luz sobre uma verdade inquietante: não há predestinação possível quando se trata de seres humanos. Nossa identidade, nossa sexualidade, a maneira como vemos o mundo, o que desejamos para nós mesmas, como lidamos com nossos corpos, nossos afetos, nossas angústias são prerrogativas incontroláveis, não rotuláveis, não padronizáveis. E é isso que move o mundo e faz caminhar a humanidade.</div>
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Ao colocar-se como algo fora de nós, comandado por forças sobrenaturais, o "destino" parece fora do nosso controle e só nos resta então aceitarmos nossa sina. Obedecermos. Essa aceitação arrefece nosso desejo de lutar e mina nosso ânimo diante da vida. </div>
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A transformação pode começar pela palavra. O vocabulário que constroi nossa rotina, constroi também nossa realidade, nosso comportamento e nossas ações. Então, vamos experimentar substituir destino, por escolha. Que tal?</div>
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Seu destino, mulher, é ser escolha. Seu destino não é ser mãe. Não é seu destino ser doce, equilibrada, sensata. Seu destino não é obedecer, submeter-se, subjugar-se. Não é ser subempregada, violentada, impedida, calada. Também não é ser linda 24 horas. Não é ser perfeita, seja lá o que isso signifique para você. Seu destino, não é, nem mesmo, ser mulher, se não quiser (ou não puder). Permita-se ser escolha. Embora saibamos que fazer escolhas não é uma tarefa simples. Além de nem sempre serem conscientes, nossos desejos podem ser difíceis de serem concretizados, pois podem estar vinculados a fatores psicológicos, sociais, econômicos, políticos e/ou culturais. Então, podemos dizer que escolher pode ser uma possibilidade mais viável para algumas mulheres, do que para outras. Mas o que importa é ter a consciência de que escolhas são possíveis, pressupõem um(a) agente e podem mudar destinos. Saber disso nos dá poder. </div>
<div style="text-align: justify;">
Seja mãe. Porque quer. Seja dona de casa. Porque quer. Seja empresária, porque quer. Seja santa ou puta. Porque quer. Não deixe que o discurso machista dominante diga que o papel que você deve desempenhar é o que o destino lhe reserva, ou justificar as misérias de sua condição feminina como vontade de deus. O destino é (só) uma palavra, uma história ruim. Se é narrativa, você pode recontá-la, subvertê-la, desconstruí-la, revolucioná-la. O destino não é seu dono. Ninguém é. Reconte essa história a partir de sua palavra de mulher, a partir do seu horizonte feminino. Muitas morreram e morrem para que você possa optar, ser, construir-se, avançar e recuar. Sem medo. Escolha assumir as rédeas da sua vida e mude a rota e o itinerário. E então, o destino será apenas o lugar onde você se propôs a chegar.</div><div style="text-align: justify;">@anaribeiro</div>
<br />
<br />
<br />Ana Ribeirohttp://www.blogger.com/profile/11142798788996344092noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-1991238827439807025.post-37900142680607511562019-01-06T20:08:00.004-02:002023-12-29T10:40:06.606-03:00Azul e rosa, príncipes e princesas - e o sapo<div style="text-align: justify;">
A polêmica das cores movimentou as redes sociais durante a semana. A afirmação da Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, de que "meninos vestem azul e meninas vestem rosa" provocou uma onda de memes e críticas na internet, assim como de discursos acalorados defendendo e/ou justificando as colocações feitas por ela.</div>
<div style="text-align: justify;">
Muitos acham que a Ministra defende o natural e o óbvio. Irritam-se com as críticas que foram feitas e a defendem, justificando que ela fez uso de uma metáfora, ou seja, que ela não quis dizer exatamente que meninos devem vestir azul e meninas devem vestir rosa, mas sim que meninos devem se comportar conforme o que é esperado para uma pessoa que nasceu com o sexo masculino e meninas devem se comportar conforme o que é esperado para pessoas que nasceram com o sexo feminino. Sim. Todos entendemos que é mesmo uma metáfora e uma metáfora que quer significar exatamente isto: todos e todas devem se comportar dentro dos padrões da heteronormatividade, ou seja, tudo aquilo que saia fora desta curva é considerado "anormal".</div>
<div style="text-align: justify;">
Pois bem, a indignação de muitos outros e outras é justamente contra este conceito. Ao dizer que meninos vestem azul e meninas vestem rosa, a pessoa que supostamente foi indicada para defender os Direitos Humanos, ignora milhares e milhares de pessoas que não se identificam dentro dos padrões sociais estabelecidos. Digo padrões sociais, porque a identidade de gênero não é natural como querem nos fazer crer. Pelo menos, não é natural no sentido de que nascemos com a identidade de gênero que socialmente esperam para o sexo que carregamos. Se fosse tão natural assim, não haveria a necessidade de se reafirmar o tempo todo a identidade masculina para os meninos ou feminina para meninas. Não seria necessário se definir cores, brinquedos e comportamentos "adequados" para cada um ou uma, já que naturalmente nasceríamos com as características próprias esperadas para cada sexo. Ao contrário, o que vemos são pais impedindo que (principalmente meninos) usem determinadas cores, produtos ou brinquedos, com muito medo de que passem a ter um comportamento diferente daquele aceito socialmente.</div>
<div style="text-align: justify;">
Negar que haja outras identidades além do binarismo homem-mulher é lançar na marginalidade um número enorme de pessoas. Reforçar esse binarismo e demonizar outras identidades, aí sim, é doutrinar dentro de uma ideologia de gênero machista, opressora e intolerante que incentiva e permite violentar e matar todos os dias, as chamadas "minorias": mulheres e população LGBTI.</div>
<div style="text-align: justify;">
Por outro lado, um Estado que reconhece e acolhe todos e todas, sem exceção, é um Estado que fomenta o respeito à diversidade e a tolerância.</div>
<div style="text-align: justify;">
Menino veste azul. Menina veste rosa. Afirmações complexas e culturais e que precisam ser discutidas, já que há muitos meninos que não "vestem" azul e muitas meninas que não "vestem" rosa, por mais que as regras ditatoriais da heteronormatividade queiram impor. Afirmativas como estas, feitas pelas pessoas que estão gerindo o país e que se dizem nossos representantes contribuem para se naturalizar a violência que tem sido perpetuada ao longo dos séculos.</div>
<div style="text-align: justify;">
O que se busca é o respeito mútuo, o reconhecimento do outro, a tolerância. O mínimo que o Estado pode fazer é reconhecer estas diferenças e contribuir, de alguma forma para que todos e todas possam viver em paz. </div>
<div style="text-align: justify;">
Nesse sentido, é muito séria a demonização das escolas públicas. Como professora digo com muita tranquilidade que tudo o que buscamos é combater o ódio e cultivar a tolerância. Procuramos aceitar as peculiaridades individuais e ajudar nossos alunos a se aceitarem e aceitarem o outro como são. Apenas isso.</div>
<div style="text-align: justify;">
O mínimo que se espera de um governo que quer revolucionar a educação é que venha nos conhecer, conhecer a escola, estudar nossos currículos e programas, conversar com nossos alunos e, sob um viés democrático, iniciar um diálogo respeitoso para que a mudança então se estabeleça. Mas tudo que vejo são medidas que estão sendo tomadas sem conhecimento de causa e a partir de pressuposições absurdas.</div>
<div style="text-align: justify;">
Quando o Estado diz à sua população que a escola propaga uma "ideologia de gênero" maquiavélica, que subverte, confunde, destrói a identidade das crianças e adolescentes e coloca os professores como doutrinadores diabólicos, ela coloca toda uma sociedade contra a escola e seus professores. Essa é uma ação perversa, pois somente contribui com a desvalorização que essa instituição tão importante vem sofrendo nos últimos anos.</div>
<div style="text-align: justify;">
Precisamos de apoio, diálogo, formação continuada, infraestrutura. Precisamos que creiam em nós. Precisamos de um governo que seja nosso parceiro e não nosso inimigo. Somente assim, juntos, poderemos construir um país mais justo, solidário, com equidade e respeito. Sem a escola (ainda não há) futuro possível. Um país que se coloca contra ela está fadado a se autodestruir e, dificilmente, conseguirá se reerguer.</div><div style="text-align: justify;">@anaribeiro</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
Ana Ribeirohttp://www.blogger.com/profile/11142798788996344092noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1991238827439807025.post-60928227783138221282019-01-04T20:01:00.002-02:002023-12-29T10:40:33.247-03:00Convite<div style="text-align: justify;">
Gosto de redes sociais. São portais de possibilidades infinitas e isso é incrível. Entretanto, acho que temos aproveitado mal esse espaço. Estes canais virtuais me lembram as ruas das pequenas cidades do interior, por onde desfilam os senhores de bem, as esposas respeitosas, os bêbados, as prostitutas, as beatas, as velhas fofoqueiras... as "novinhas", os moleques... Assim como lá, tuíta-se de tudo: política, religião, futebol, sexo, vida alheia. Não raro, há mal entendidos, conversinhas, dedos apontados. E há as velhas da janela, que tudo observam, julgam, se horrorizam e maldizem. Algumas dessas redes funcionam como as velhas colunas sociais dos "antigos" (?) jornais: fotos glamourosas (reais ou não) legendadas por eventos infindáveis. Enfim, acho que do mundo real para o virtual não muda muita coisa afinal, já que somos os mesmos seres - às vezes humanos, às vezes desumanos de sempre.</div>
<div style="text-align: justify;">
Há alguns anos, criei esse blog. O objetivo era postar textos poéticos que me arriscava a rabiscar (sem grandes pretensões). Mas as redes sociais, como grandes e movimentadas avenidas, acabaram me seduzindo e abandonei - por um tempo - essa casa. Por um tempo, fui viver na rua. Curiosamente, não encontrei espaço de diálogo. Os grupos continuam fechados e, às vezes, intransponíveis. Não consegui furar a minha bolha. Então, me senti perdida, falando para as paredes.</div>
<div style="text-align: justify;">
Agora senti desejo de voltar. Depois de ter perambulado por aí, retorno com mais bagagem para esta casa e tento reabitá-la.</div>
<div style="text-align: justify;">
Se você também quer descansar um pouco dos letreiros, da novidade sem fim, do trânsito louco e da necessidade incessante de tudo ver, entre. Venha me fazer uma visita.</div>
<div style="text-align: justify;">
Minha intenção é chamar sempre para uma conversa qualquer e tentar provocar uma resposta, uma discordância, um acréscimo... Mas que a gente possa se ver e se ouvir com calma e pelo menos, pelo tempo de um café. Qualquer passante será sempre bem-vindo, desde que esteja disposto a gastar uns poucos minutos a mais de seu tempo para fugir do lugar tão comum do "ouvi dizer", da fofoca maldosa, do telefone sem fio, das fake news.</div>
<div style="text-align: justify;">
Podemos começar discutindo a polêmica das cores. Embora, muito possivelmente, haja discordâncias, acho que esse assunto pode render uma longa e boa conversa. </div><div style="text-align: justify;">@anaribeiro</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<br />Ana Ribeirohttp://www.blogger.com/profile/11142798788996344092noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-1991238827439807025.post-43310626693033012722018-02-17T16:08:00.003-02:002023-12-29T10:40:56.103-03:00A telaDentro da tela, a tela<br />
e atrás.<br />
antes e depois do olho.<br />
do meu olho,<br />
do seu olhar.<br />
<br />
Quantas são todos os dias?<br />
O que me veem?<br />
te falo, me fala, nos fala, falamos dela.<br />
No almoço<br />
no copo de café<br />
enquanto durmo, ao meu lado ressona, sussurra imagens deslizantes loucamente coloridas que me invadem os ouvidos, os sentidos<br />
Que sentido faz?<br />
<br />
Que sentido faz,<br />
se a tela me ocupa o colo do filho<br />
que mama os flashs loucos desvirtuados?<br />
E não me cobra mais meus mimos?<br />
<br />
Ela me faz companhia<br />
me distrai na insônia<br />
me desperta de manhã<br />
É meu espelho<br />
meu guru.<br />
É meu guri.<br />
<br />
Foi feita para bastar-se-me.<br />
<br />
Mas eu vejo um buraco negro ameaçando essa relação.<div>@anaribeiro<br />
<br />
<br /></div>Ana Ribeirohttp://www.blogger.com/profile/11142798788996344092noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-1991238827439807025.post-62366884215249008162016-09-07T15:53:00.002-03:002023-12-29T10:41:16.789-03:00História de avó<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Uma
mulher, uma casa</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
uma casa e
um jardim</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
e a
eternidade.</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br />
</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Nós não
somos o que fomos.</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Somos
aquilo que ficou de nós</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
e se
perpetua.</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br />
</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Uma
mulher, uma casa</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
uma casa e
um jardim</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
e a
eternidade.</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br />
</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
A mulher
que está nas filhas</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
a mãe que
está nas filhas</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
a avó</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
o exemplo</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br />
</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Sua
humanidade tão latente</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
pulsa na
falta do colo,</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
no olhar
duro,</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
na palavra
calada e que por isso</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
ecoa</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
ainda
hoje.</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br />
</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
A mãe que
foi</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
a mãe que
queriam.</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br />
</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
A mulher
que queria ser</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
e a que
não teve escolha.</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br />
</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Quem há
de saber se chorou?</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
O quanto
amou?</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Se foi
feliz?</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Se fez o
que quis</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Se não
quis.</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br />
</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Ela são
muitas. Quem saberá contá-las?</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
E quem sou
eu para dizê-las?</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br />
</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Sei dizer
da que ficou.</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Da
quitanda fresca e cheirosa</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
do fogão
vivo</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
do
trabalho</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Sei falar
do vestido novo</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
das tramas
do bordado</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
dos
nozinhos do crochê
</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
(quem me
dera saber dos pensamentos que os teceram)</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br />
</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Sei falar
das palavras que os filhos lhe adivinharam</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
e agora
proferem.</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Sei falar
dos dons herdados</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
dos
recheios, da mesa farta, da família em volta</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
das
colchas, dos botões, das cores,</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
do
aconchego da lã,</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
do doce,</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
do cheiro
e do sabor.</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Sei dizer
da flor.</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br />
</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Queria ter
ouvido o barulho da bica</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
sentido o
calor do forno,</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
ouvido o
galo cantar</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
ter vivido
um sábado de férias</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Ter tido
medo do escuro,</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
rezado o
terço,</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
bebido o
leite quente.</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Queria ter
visto a chuva da janela</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
nos dias
de chuva interminável.</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Queria
ter feito travessuras</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
ido dormir
assustada, sentindo o peso e o aroma das cobertas.</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
(sua mão).</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br />
</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br />
</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
E nas
febres de criança</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
nos
delírios e calores</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
nos
arrepios doloridos</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
chamá-la.</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
E ela
viria doce (talvez só naquele dia)</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
E a
compressa e seu corpo próximo</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
seria amor
bastante.</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br />
</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Quem teria
sido afinal,</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
se não
existíssimos nós?</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
É em nós
que ela existe.</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Mas foi
muitas outras.</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Segredo.</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br />
</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Uma
mulher, uma casa</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
uma casa e
um jardim</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
e a
eternidade.</div><div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">@anaribeiro</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br />
</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br />
</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br />
</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br />
</div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br />
</div>
<br />
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br />
</div>
Ana Ribeirohttp://www.blogger.com/profile/11142798788996344092noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-1991238827439807025.post-84609524294968106782016-08-13T16:49:00.004-03:002023-12-29T10:41:40.728-03:00How far<div>
<br /></div>
<div>
How far am I do mar?</div>
<div>
How far?</div>
<div>
<br /></div>
<div>
É muito longe a amplidão de mim.</div>
<div>
A falta de margens, a imensidão.</div>
<div>
<br /></div>
<div>
É muito longe de mim o horizonte sem fim.</div>
<div>
É muito longe o mar em mim.</div>
<div>
<br /></div>
<div>
Do mar... I am so far...</div>
<div>
Embora eu o ouça, sinta seu cheiro, molhe meus pés, sempre impermeáveis demais.</div>
<div>
<br /></div>
<div>
Eu o provo, eu o sonho. Ele me inunda, me encharca, me afoga. Ele me arde as narinas.</div>
<div>
<br /></div>
<div>
Mas eu não mergulho. Eu não me atiro. Eu não embarco.</div>
<div>
<br /></div>
<div>
E sem ir, eu naufrago em mim. </div>
<div>
<br /></div>
<div>
How far am I do mar?</div>
<div>
How far?</div><div>@anaribeiro</div>
<div>
<br /></div>
Ana Ribeirohttp://www.blogger.com/profile/11142798788996344092noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1991238827439807025.post-60974422629854867072015-05-14T15:55:00.001-03:002020-08-15T21:08:06.383-03:00Maria vai com as outrasMaria vai com as outras.<br />
E gosta.<br />
Maria vai com as outras.<br />
E fica.<br />
E não quer nem saber.<br />
Maria é de opinião. <div>@anaribeiro</div>Ana Ribeirohttp://www.blogger.com/profile/11142798788996344092noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-1991238827439807025.post-16821651509692631812014-04-28T20:29:00.004-03:002023-12-29T10:42:07.866-03:00Crônica para o dia das mães<div style="text-align: justify;">
Esta é uma história de ficção. Para continuar até o fim, você precisa tirar seu pezinho da realidade, aguçar as forças imaginativas de sua mente e postar-se diante do texto como quem vai ler um conto fantástico. A personagem criada aqui é tão inverossímel quanto o leão de Nárnia. Não se assuste se sentir piedade ou pavor diante dela. São sentimentos comumente relatados. No mais, seja sensata, leitora (ou leitor) e evite pensar que existe em você alguma característica desse ser tão improvável. É apenas um efeito ilusório, sem fundamento real possível.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Há muito tempo atrás, nos primórdios da humanidade, existiu uma criatura hoje extinta, graças ao longo processo evolutivo pelo qual passaram homens e mulheres. Era uma fêmea. As crias do homem saíam do seu corpo, de uma forma extremamente dolorida, depois de nove meses crescendo dentro dela. Retirá-las de maneira menos cruel era considerado uma aberração e a prática do parto natural, assim como o hábito de exames terríveis, era incentivada, principalmente pelos machos do grupo que tinham pleno controle sobre o corpo das fêmeas, pois eram considerados mais fortes, capazes e hábeis para entender o mundo e a natureza. O fato de terem tomado para si tal prerrogativa, garantiu-lhes certas regalias. Controlar as fêmeas era uma delas, se não pela força inegável de seus corpos, por meio também de um poder invisível, muitas vezes nomeado de cuidado ou proteção, cultivado pelas gerações anteriores e reforçado cotidianamente pelo grupo em que conviviam. "Eu te amo" era "Eu, teu amo".</div>
<div style="text-align: justify;">
A tal criatura tinha como razão de ser apenas garantir uma prole saudável para os machos e trabalhar para o bem estar daquele núcleo, o qual chamavam família. Responsabilizava-se pelo cuidado da caverna, pelas peles que cobriam os corpos de todos, pela educação dos filhotes. Fazia, muitas vezes, tudo ao mesmo tempo. Por esse motivo, foi aos poucos desenvolvendo olhos e orelhas muito grandes que lhe permitiam quase que adivinhar os problemas antes que estes surgisserm realmente. As antenas foram apenas mais uma consequência de seu hábito arraigado de captar todos os sinais à sua volta. Surgiram-lhe mais dois pares de braços, de cada lado do corpo. Desse modo, era capaz de desenvolver várias tarefas ao mesmo tempo. E, pasmem! Como se não bastasse isso, num protótipo do que hoje chamam "neurose", ainda se sentia culpada quando, por algum motivo, um membro dessa família não se sentia alcançado pelo seu cuidado e reclamava atenção ou se irritava porque seus braços, antenas, olhos, orelhas e pernas não foram suficientes para as necessidades de todos. Aprendeu e absorveu tão bem tais hábitos, que já não precisava mais ser adestrada. Assumiu esse papel e passou a desempenhá-lo com felicidade.</div>
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Apesar de todas as dificuldades, decidiu ainda que deveria sair à caça, junto com seu companheiro. Foi à luta. A caverna já não era mais seu único universo de atuação. Além dos braços, orelhas e olhos, nasceram-lhe mais pernas e pés e mãos e bocas, porque agora precisava dar conta destes dois mundos diversos e ainda estar pronta para dar amor, carinho, compreensão, equilíbrio para quem quer que fizesse parte de sua rede de contatos. Transferiu para o trabalho fora da toca as atribuições de mãe e esposa. Logicamente, foi ganhando espaço e por conta disso, se tornando cada vez maior. </div>
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Seu corpo, cada vez mais desproporcional, ia acolhendo e absorvendo os problemas do mundo. Evitava brigas no lar, prevenia bancarrotas, interrompia processos de guerra com seu infinito poder de negociação, sua imensa paciência e sua calma inesgotável.<br />
Muitas acharam que conseguiram dividir com os machos as responsabilidades domésticas, mas na verdade, não conseguiam se livrar do stress e do peso da responsabilidade de manter o lar organizado, feliz e sm conflitos.</div>
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Era bom mesmo que ficasse ocupada sempre, pois havia dentro de si uma força desconhecida, descomunal, que precisava ser controlada a qualquer custo. Um poder estranho, que nem mesmo ela conhecia. Todos os esforços da comunidade eram reunidos e exercitados para que sentimentos inadequados não despertassem dentro daquela criatura, o que poderia transformá-la, de repente, em algo que nunca, ninguém tivesse conhecido, o que era causa de grande temor. <br />
Algumas drogas foram desenvolvidas para controlar seu corpo e sua mente. Peso e felicidade na medida certa eram fundamentais. Ajudavam a mantê-la no lugar certo, o tempo todo. Máquinas torturantes para moldar suas formas e controlar suas emoções. O amor e o respeito ao macho e esses sentimentos em dobro para as crias era o que se esperava dela, além de uma vida tranquila que garantisse a todos uma rotina sem sobressaltos.<br />
Casos de uma ou outra fêmea que porventura se comportasse de maneira diferente eram censurados a todo custo e apenas susurrados raramente. Ou, quando narradas para as novas gerações, a história era contada de forma a transformar quem se desviou em perigosas marginais, ou ainda em pessoas infelizes, malvadas, estranhas, sozinhas, loucas...<br />
Depois, mais tarde, encarregavam-se ainda de passar a árdua tarefa às fêmeas mais jovens, garantindo assim a perpetuação da espécie e do bem estar masculino. O que sentia? Medo. De não ser tão bonita, tão competente, tão atraente, tão feliz, a ponto de não agradar... agradar um homem que pudesse lhe proporcionar aquela vida, igual à das outra todas e se encaixar nos padrões da normalidade social.<br />
Quando velha, sem o que fazer com seu corpo deformado, seu cérebro infinito de tanto pensar com amor, sossegava triste, por acreditar que seu sonho de mulher tinha sido realizado.<br />
<br /></div>
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Mas isso foi há muito tempo. Não se tem notícia, em nossos dias, de ser vivo que se assemelhe a tal monstruosidade. Essa figura fictícia não possui ponto de convergência com a mulher moderna: livre, independente, dona de seu corpo e de seus desejos. Capaz de sentir, compreender e aceitar seus sentimentos. Capaz de virar o jogo. Não. Qualquer semelhança é mera coincidência.</div><div style="text-align: justify;">@anaribeiro</div>
Ana Ribeirohttp://www.blogger.com/profile/11142798788996344092noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1991238827439807025.post-3785358297537086492014-03-01T11:05:00.003-03:002023-12-29T10:42:35.674-03:00Dentro das coisas há um infinito.<br />
Um buraco negro que engole palavras.<br />
O dentro não nomeado é só possibilidade.<br />
Molho meus pés. A água é fria.<br />
Não há isca possível.<br />
Quem sabe não caio. E pego com a mão a palavra escorregadia que agora me afoga.<div>@anaribeiro</div>Ana Ribeirohttp://www.blogger.com/profile/11142798788996344092noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-1991238827439807025.post-21723042197486429862013-10-17T18:06:00.002-03:002023-12-29T10:43:25.440-03:00<span face="'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif" style="background-color: white; color: #333333; font-size: 13px; line-height: 17px;">Não quero nenhuma palavra que preste. Procuro a outra, mais suja de vida. @anaribeiro</span>Ana Ribeirohttp://www.blogger.com/profile/11142798788996344092noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1991238827439807025.post-6249760342335093042013-10-17T17:06:00.003-03:002023-12-29T10:43:40.660-03:00ViagemArranjei um segredo e uma fita vermelha.<br />
Embrulhei toda a vida em um pedaço de pano.<br />
<br />
Mandei matar a fome<br />
mandei servir assada.<br />
<br />
Mandei tomar um porre<br />
mandei jogar pelada.<br />
<br />
Mandei ouvir o vento<br />
andar nu de madrugada.<br />
<br />
Mandei voar sem asas<br />
e cair em disparada.<br />
<br />
Saí como rainha, em busca de quase nada.<div>@anaribeiro</div>Ana Ribeirohttp://www.blogger.com/profile/11142798788996344092noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1991238827439807025.post-91085360013097689832013-07-19T18:29:00.001-03:002020-08-19T16:49:05.455-03:00A casa<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
A casa é janela aberta.</div>
<div class="MsoNormal">
A casa é cama e coberta.</div>
<div class="MsoNormal">
A casa garante o sono,</div>
<div class="MsoNormal">
conforto e calor no
outono.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
A casa é paz sem fim.</div>
<div class="MsoNormal">
É tudo que sonhei pra mim.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
A casa é um casulo estreito.</div>
<div class="MsoNormal">
A casa é um seguro.</div>
<div class="MsoNormal">
A casa é um abrigo, um esteio.</div>
<div class="MsoNormal">
A casa é um muro.</div>
<div class="MsoNormal">
Bem alto,
intransponível.</div>
<div class="MsoNormal">
Só deixa ver o teto :</div>
<div class="MsoNormal">
e o quarto escuro.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
A casa é um caso sério. @anaribeiro</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
Ana Ribeirohttp://www.blogger.com/profile/11142798788996344092noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-1991238827439807025.post-58931926377465528592013-07-16T20:16:00.005-03:002023-12-29T10:44:19.871-03:00Receita<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjyrkeS00gG4mJjhNvAmn3EujWMohw6W7OSSTYGuZhkPAfNXc6IcvrwgPO7s70RvyZPDPphoYcbMlHb6HdLH0iKQVO6tMmrg90D4UUKmsZL-N0ua0T4ZIZtqQDzt9yoCKp5lemV02sXjQ/s1600/livro+de+receitas.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjyrkeS00gG4mJjhNvAmn3EujWMohw6W7OSSTYGuZhkPAfNXc6IcvrwgPO7s70RvyZPDPphoYcbMlHb6HdLH0iKQVO6tMmrg90D4UUKmsZL-N0ua0T4ZIZtqQDzt9yoCKp5lemV02sXjQ/s1600/livro+de+receitas.jpg" /></a></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
A fervura borbulha na cozinha.<br />
A ebulição cá dentro, faz mais arruaça, no entanto.<br />
<br />
Queima a comida enquanto não acerto o tempero,<br />
entre a vida e o texto.<div>@anaribeiro</div>Ana Ribeirohttp://www.blogger.com/profile/11142798788996344092noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1991238827439807025.post-12135911266396355382013-06-23T09:05:00.002-03:002023-12-29T10:44:43.130-03:00<div class="MsoNormal">
<br />
<br />
<img src="http://t2.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcSKsGHB6eUVMmIuTQT6tXkCc3TDQLTm6Lbo3P7fiIRvFV2gMlzn" /><br />
<br />
<br />
<br />
Minas é o que oculta.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Um segredo guardado, contado baixinho, ao pé de ouvidos
seculares.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Minas é o que se esconde. Talvez sob o que escrevo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
O que haverá por debaixo dessas montanhas, além de mim e do
que sinto?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Minas. <o:p></o:p></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
Minas é tudo que não vejo. @anaribeiro<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
(Texto publicado originalmente no blog <a href="http://orelogioavariado.blogspot.com.br/">http://orelogioavariado.blogspot.com.br/</a> de Ozias Filho)</div>
Ana Ribeirohttp://www.blogger.com/profile/11142798788996344092noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1991238827439807025.post-48688195531510765672013-05-18T18:56:00.004-03:002020-08-04T13:49:37.752-03:00Álbum de família<div>
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi_rbpClB3frW6jWax_RUbHfVu5i3ijmEvr0jFKBx3bJvK6XQBL6jcXxZ7Axx3-4jP5ZU7ug1_N9BQi3p9M5vHPwkcSQawaJIgkCcBzLFCr2vX0UawYE0QflbQ6Owjd9taZP8DOsWAyoA/s1600/camera.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi_rbpClB3frW6jWax_RUbHfVu5i3ijmEvr0jFKBx3bJvK6XQBL6jcXxZ7Axx3-4jP5ZU7ug1_N9BQi3p9M5vHPwkcSQawaJIgkCcBzLFCr2vX0UawYE0QflbQ6Owjd9taZP8DOsWAyoA/s320/camera.jpg" width="320" /></a></div>
Uma história se esconde por detrás do papel brilhante do álbum de fotografias,<br />
<div>
encoberta mil anos pelo lustro dos sorrisos e dos abraços.</div>
<div>
Ainda assim, há memórias quase invisíveis, não fossem as sombras nos negativos.</div>
<div>
<br /></div>
<div>
Não há vida que se mostre nos retratos, sempre estáticos.</div>
<div>
Há uma cera, uma tinta, um batom, um salto, a roupa nova, o mar ao fundo.</div>
<div>
A felicidade cristalizada nas mãos que se tocam, na brincadeira das crianças.<br />
<br />
Capturada para sempre. </div>
<div>
<br /></div>
<div>
Benditas sejam as molduras que seguram outras verdades em dimensões proibidas.<br />
@anaribeiro</div>
<div>
<br /></div>
<div>
<br /></div>
<div>
<br /></div>
Ana Ribeirohttp://www.blogger.com/profile/11142798788996344092noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-1991238827439807025.post-75894766538953353372013-05-01T18:12:00.002-03:002023-12-29T10:45:10.229-03:00BelezaAcolho o dia como quem colhe uma flor<br />
Como quem sorve aos poucos<br />
o remédio amargo na pontinha da colher.<br />
Lembrança de mãe, de febre quente.<br />
O sol esturricando rancores,<br />
Tostando os amores lá fora.<br />
<br />
O dia murcha como a flor sem vida<br />
enfeitando um copo qualquer.<br />
<br />
Para essa dor sem cura não há remédio.<br />
Recolho o que sobra de perfume e cor.<br />
Há febre ainda em minhas mãos frias.<br />
<br />
Acolho a dor<br />
e durmo em paz.<br />
A manhã é nova<br />
e a flor.<div>@anaribeiro<br />
<br />
<br />
<br /></div>Ana Ribeirohttp://www.blogger.com/profile/11142798788996344092noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1991238827439807025.post-82775306868817860562013-01-29T20:33:00.001-02:002023-12-29T10:57:35.359-03:00ArmadilhasCada falso passo,<div>
Cada passo vão.</div>
<div>
<br /></div>
<div>
Cada vão em descompasso.</div>
<div>
<br /></div>
<div>
Para cada passo dado nesse</div>
<div>
trepidado</div>
<div>
chão,</div>
<div>
Preciso que me dê a sua mão.</div>
<div>
<br /></div>
<div>
A vida em linha reta, sem direção.</div>
<div>
Apressado vou ao seu encalço.</div>
<div>
<br /></div>
<div>
Cadafalso</div><div>@anaribeiro</div>
Ana Ribeirohttp://www.blogger.com/profile/11142798788996344092noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-1991238827439807025.post-44838686695396545302012-12-05T10:35:00.001-02:002023-12-29T10:57:58.513-03:00DezembroDesejos empoeirados<br />
<div>
irrealizam o ano que não termina.</div>
<div>
<br /></div>
<div>
Não há um <i>the end</i> para o tempo, me perdoem.</div>
<div>
<br /></div>
<div>
A vida se estica e encolhe o corpo,</div>
<div>
desalisa a pele. Joga um pozinho fino sobre o brilho dos olhos.</div>
<div>
<br /></div>
<div>
Os ciclos são impossíveis. Não existem recomeços. A continuidade eterna é implacável.</div>
<div>
<br /></div>
<div>
Dezembro é apenas uma ilusão.</div>
<div>
E janeiro também.</div><div>@anaribeiro</div>
<div>
<br /></div>
Ana Ribeirohttp://www.blogger.com/profile/11142798788996344092noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-1991238827439807025.post-91093518325787022842012-11-02T21:08:00.000-02:002020-07-10T15:02:56.243-03:00Glossário Dentre as palavras todas do meu disléxico<br />
<br />
Gosto do ou e do se<br />
<div>
talvez, seria, vários, quem sabe... são palavras que me atraem.<br />
<br /></div>
<div>
O quase, quase me angustia um pouco.<br />
<br />
Vou sendo, estava, ando<br />
poderia, quando... também me são caras.<br />
<br /></div>
<div>
Detesto tudo, nada, faça, venha, </div>
<div>
não sinta.<br />
<br />
Abaixo o artigo definido, o substantivo concreto.<br />
<br /></div>
<div>
Prefiro nuvem.<br />
@Ana Ribeiro</div>
Ana Ribeirohttp://www.blogger.com/profile/11142798788996344092noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-1991238827439807025.post-84983443080561451232012-10-28T15:07:00.002-02:002023-12-29T11:01:05.794-03:00ApeloEu peço: não venha. Não venha agora. Não venha mais.<br />
Nem amanhã também eu quero mais.<br />
Eu peço: não fique. Não fique mais. Nunca mais.<br />
Preciso que vá. Que vá sempre. Não quero que chegue para mim.<br />
Porque esperar foi o que aprendi da vida a vida inteira. E agora eu gosto.<br />
Seja sempre minha esperança.<br />
O que sustenta minha espera.<br />
O que sustenta minha fome, minha sede, meu desejo de querer ser feliz um dia.<br />
Porque ser feliz é pra depois, sempre pra depois.<br /><div>@anaribeiro<br />
<br /></div>Ana Ribeirohttp://www.blogger.com/profile/11142798788996344092noreply@blogger.com1