terça-feira, 30 de agosto de 2011

Desproporções




A poesia é densa,
nela cabe uma tristeza imensa.

A poesia é profunda
nela cabe toda a dor que me inunda.

A poesia, pequena cerzideira,
faz caber nela a história
de uma vida inteira.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

AGOSTO





Gosto desse agosto seco, ventoso
jogando na minha cara uma  poeira infértil,
obrigando-me a perceber o chão.
Gosto desse agosto
dos ipês que troçam da morte
infiltrados na aridez penosa, resquício de um inverno atroz,
que brilham antes do sol.
Gosto desse agosto
prévia da vida que novamente se instala
na primavera que ainda não veio.
Gosto desse agosto de entremeios,
dos maus presságios, 
do que não veio
De atmosfera enfumaçada ao entardecer
nem quente -  arrepio, nem frio,
da desgraça anunciada.
Sem nada merecer
do meu olhar.
Gosto desse agosto
que inevitavelmente me dá os ipês
tão diáfanos e breves.
Seu amarelo  transitório
é capaz de me alegrar pelo ano inteiro.
Gosto desse agosto sem cheiro.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

DRIBLE


Por que o céu pesa tanto
na cor dos seus olhos?

E o tempo, essa raposa de olhos oblíquos,
me espreita nas dobras da sua pele.

Por que nascemos para amar
se morremos a cada instante?

Meu coração é vesgo,
mas sabe que o céu é cinza.
Meus olhos sentem
o que seu coração não vê.

Neste instante eu sou eterna.
E eu amo na eternidade do momento.
Você está aqui.
E o sonho agora,
é apenas,
Poesia.
Ana Ribeiro - 1993

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Brasília




Não caibo nessas tuas linhas retas.
Não me penduro nessas tuas asas.
Não me aventuro a trilhar essas tuas ruas tão perfeitas.
Sou mais profunda
e muito mais sombria.
Equilibro-me nessa plataforma lúdica de uma modernidade periférica.
Espalho-me por esse planalto de espaços... Descentralidades
que não me cabem.
Donde estou, não me reconheço em ti.
Espaço louco, espaço fálico
voa sobre tudo. Sobre o norte, sobre o sul do país.
Incita-me a amar. A ti.
Que não cabe em mim.
Que não cabe em si.
Onde estamos, que não nos vemos?
Tu aí, eu aqui.
Nessas asas mortas me debruço enfim. Em mim. Muito mais sombria, assim.

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Eu: um delírio

Um ano sem  "moreno". In memorian reedito  esse poema homenagem.

Existir é absurdo.
Eu não existe mais - e o pão está na porta.
Eu não existe mais - e mais cinco refinarias construídas.
Eu não existe mais - e vão eleger novo presidente.
Eu não existe mais - e o sol está lá fora.
Eu não existe mais. Apenas ele agora. A terceira pessoa, referida. Vista de fora. Apenas ele existe, a palavra oca e murcha, o verbo, o que restou do eu (que foi?) ele também já agonizante.
Existir é absurdo. A poesia é absurda.
Se ao menos planta, bicho,  corpo reincorporado na terra.
Mas, não. Gente. Absurdo. Lacuna indissolúvel para outros eus, enquanto forem.
Eu não existe mais.
Eu: um absurdo.
Para Renato (1964 - 2010)

Sentença

 Todo mundo vai morrer. Mas ninguém devia morrer de câncer. Porque de câncer não se morre... se vai morrendo... O gerúndio como o grande mal...