quinta-feira, 16 de junho de 2011

Infância em todos os sentidos


O cheiro da terra molhada, do perfume da tia, da merenda do pré. O cheiro do carburador da Brasília, da laranja cravo, da venda do Zé. A fragrância da amiga da escola, do bolinho de chuva, do mimeógrafo. O cheiro da acetona da irmã vaidosa, do quarto de despejo. O cheiro da fazenda. O olhar doce da mãe, o olhar bravo do pai. O olhar orgulhoso do pai, repreensivo da mãe. O crepúsculo aos pés do Rosário. O olhar ciumento da irmã, o admirar auspicioso da avó. O olhar zombeteiro do melhor amigo. O beijo na mãe, aperto de mão dos colegas, o abraço na amiga, mão no ombro, lado a lado. O barulho da chuva forte na janela, o ronco estridente do motor da Brasília, a barafunda da pipa com o vento, a voz aveludada da tia, o grito da irmã caçula, a música alta no rádio  da vizinha, o canto do canário belga na porta da cozinha, a risada da irmã do meio, o tilintar do sino pascal. O som da igreja cheia, as ordens do irmão mais velho, a campainha esperada da escola, o grito de gol. O gosto amargo da gripe em dias de festa, o sabor do almoço de domingo, o primeiro beijo, a laranja azeda do quintal de casa, a dipirona pra febre, a torta tradicional, a sopa de fubá da cantina, os primeiros goles de cachaça na rua...
@Ana Ribeiro

4 comentários:

  1. parabéns... muito bom e imagético o texto! quase que podemos tocar em cada cena, fragmentos de muitas infâncias parecidas... a ordem dos factores pode não ser a mesma... mas revemo-nos no enredo.

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  2. só ums pergunta: Tiago Taciano é algum heterônimo de Ana Ribeiro?

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  3. Cara Ana! És uma bela descoberta. A tua viagem, lembrou-me Agostinho: "não existe passado, presente ou futuro; o que existe é o passado presente, o presente presente e o futuro presente!
    Um bom abraço e felizes sinais e sintomas!!!!!! No presente!!!

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Sentença

 Todo mundo vai morrer. Mas ninguém devia morrer de câncer. Porque de câncer não se morre... se vai morrendo... O gerúndio como o grande mal...